SUTAQUES DA ESCOLA: ENTRE INFÂNCIAS, FILOSOFIA E EDUCAÇÃO #51
- Coordenador:
- ANA RITA QUEIROZ FERRAZ
- Data Cadastro:
- 13-04-2023 11:15:58
- Vice Coordenador:
- Jorge Luiz Nery de Santana
- Modalidade:
- Presencial
- Cadastrante:
- ANA RITA QUEIROZ FERRAZ
- Tipo de Atividade:
- Projeto
- Pró-Reitoria:
- PROEX
- Período de Realização:
- 02/01/2024 - 31/12/2024
- Interinstitucional:
- Não
- Unidade(s):
- Coordenação de Extensão do Departamento de Ciências Humanas e Filosofia,
Resolução Consepe
059/2021
Processo SEI Bahia
07134002021000588275
Situação
Ativo
Equipe
8
O projeto “Sutaques da escola: entre filosofia, infâncias e educação” objetiva criar uma rede de formadores para atuar em escolas públicas e comunidades educativas, com fins de implementação de projetos educacionais que tenham por propósito o cultivo do pensar radical, razoável e inventivo, em comunidade. Para tanto, oferecerá cursos de formação destinado a estudantes da UEFS, bem como para professores da rede pública de ensino e educadores sociais. O curso tem por objetivo sensibilizar os educadores para desenvolverem em suas escolas experiências filosóficas com crianças e jovens; além de potencializar os espaços de Atividade Complementar (AC) como espaços formativos para professoras(es). A expressão “sutaques da escola” implica atenção às singularidades aí produzidas; e, também, pensá-la, a escola, desde territórios de passagem que acontecem “entre” a filosofia, a infância e a educação. Significa dizer que este projeto não se instala numa margem ou na outra, ainda que as inclua como condição para uma terceira, “entre” o pensamento filosófico e o dispositivo educação, intervalos de variação e instabilidades a serem produzidos na cena educacional, a partir da experiência/tempo da infância. Para tanto, as fissuras do "entre" deverão ser provocadas pelo que Paulo Freire e Antonio Faundez (2017) denominam de "uma pedagogia da pergunta", contrapondo-se a uma "pedagogia da resposta", hegemônica na educação, que prima pela repetição do mesmo e a memorização, castrando a curiosidade e reificando formas/discursos.
1.0 Infâncias não cessam de acontecer: o projeto NEFI O livre pensar sempre foi uma ameaça. Livres pensadores sempre foram uma ameaça. Não à toa os sistemas totalitários criam incessantemente dispositivos de contenção de liberdades, que se efetuam como produção de corpos dóceis e subjetividades reduzidas à experiência de um sujeito egóico e psíquico, expropriado da sua potência. A escola e a universidade são tipos de dispositivos de poder: de fabrico de corpos e de políticas de subjetivação a serem apropriados e produzidos pelo capital, sendo toda e qualquer forma de desvio destruída, ou reconduzida à “normalidade” por estratégias de sedução ou de sistemas de punição. Perguntamos, pois, relativamente ao “novo normal” na educação, o que nele há de natividade. Num texto denominado “O enigma da infância: ou o que vai do impossível ao verdadeiro”, Larrosa (1999), ao tratar da infância e da novidade, cita Hanna Arendt: “a educação tem a ver com o nascimento, com o fato de que constantemente nascem seres humanos no mundo”. E completa: O nascimento é o aparecimento da novidade radical: o inesperado que interrompe toda expectativa; o acontecimento imprevisto que não pode ser tomado como a consequência de nenhuma causa e que não pode ser deduzido de nenhuma situação anterior; o que, longe de se inserir placidamente nos esquemas de percepção que funcionam no nosso mundo, coloca-nos radicalmente em questão. (LARROSA, 1999, p.189) Eis porque, segundo o autor, Herodes manda matar todas as crianças recém-nascidas. Herodes objetiva destruir qualquer novidade radical que ameace o seu projeto de poder. Por isso uma “pedagogia fundamentalista” não sustenta o acontecimento; contrariamente, ratifica o mesmo, a identidade. Assim sendo, a escola como a universidade são dispositivos de poder imprescindíveis à manutenção dos ordenamentos produzidos como biopoderes; e, também, fica claro o empenho em produzir não o novo, mas um novo normalizado. Por outra via, crianças não param de nascer; e logo, nenhum sistema totalitário, nenhum “quadriculamento” (FOUCAULT, 1987) é suficiente para impedir que livres pensadores, poetas, crianças, loucos, artistas, jovens, indígenas, negros, mulheres e outras forças minoritárias produzam atos de recusa e de resistência, por onde flua a novidade. Linhas de fuga (desvios imprevisíveis e sem codificação) não cessam de acontecer. E, assim, mesmo onde vigem os biopoderes, tramas biopolíticas são gestadas, não por um efeito de oposição, mas de burla, de desmachamento e de invenção. Na música “Como nossos pais”, Belchior (1976) denuncia ao tempo que adverte: “É você/ Que ama o passado/ E que não vê/ Que o novo sempre vem.” O “novo normal” ama o passado; tudo o que pretende é fixar e reduzir fluxos e multiplicidades. A natividade não ama o passado, contrariamente, é o presente do passado e o presente do futuro como acontecimento e expressão. Numa educação menor identificamos germes de natividade. O conceito de “menor”, fabricado por Deleuze e Guattari (1977), referindo-se à literatura de Kafka, tem sido utilizado por muitos pensadores para qualificar microfluxos produzidos nos sistemas hegemônicos, corrompendo-os de dentro, na medida em que fogem a tentativas de controle e de fixação. Para Silvio Gallo (2003) uma educação menor funciona como máquina de resistência, ou acontecimento subversivo no seio a educação maior, representada pelas políticas públicas educacionais, pelos parâmetros e diretrizes curriculares, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, pela Base Nacional Comum Curricular e outros dispositivos de poder que não cessam de acontecer. Assim, na contramão de processos educativos comprometidos com as macropolíticas, uma educação menor é resistência e revolta contra fluxos instituídos; caracteriza-se por movimentos de desterritorialização, pela ramificação política e pelo valor político da mesma. (GALLO, 2003) Ao dizer que uma educação menor acontece na contramão da educação oficial, maior, não queremos dizer oposição, mas um movimento de qualidade, velocidade e ritmo diversos daqueles instituídos, porque uma educação menor não é uma categoria, mas movimentos singulares de desterritorialização que acontecem no jogo de forças escola. Objetivando este movimento coletivo na direção de uma educação menor, propomos a parceria com o NEFI/UERJ, a fim de criar na UEFS um projeto extensionista que tem como objetivo desenvolver ações de filosofia na escola pública, bem como formar estudantes, educadores das redes públicas municipais e estaduais, e educadores sociais, que atuam em Feira de Santana e municípios vizinhos. Este projeto nasce, sobretudo, a partir dos estudos do professor Walter Kohan, coordenador do NEFI/UERJ, sobre filosofias e infâncias. Para ele, a infância é “uma condição da experiência” que, necessariamente, implica em uma outra relação com o tempo, ou seja, a infância como a novidade do novo. Essa é a infância como experiência, como acontecimento, como ruptura da história, como revolução, como resistência e como criação. É a infância que interrompe a história, que se encontra num devir minoritário, numa linha de fuga, num detalhe; a infância que resiste aos movimentos concêntricos, arborizados, totalizantes: "a criança autista", "o aluno nota dez", "o menino violento". É a infância como intensidade, um situar-se intensivo no mundo; um sair sempre do "seu" lugar e se situar em outros lugares, desconhecidos, inusitados, inesperados. (KOHAN, 2021) Kohan vai além ao propor pensarmos uma infância da educação, e não uma educação da infância. Uma infância da educação produz não um “novo normal”, mas a natividade permanente, sendo, portanto, uma experiência de criação. Torna, assim, epistemologicamente, eticamente, politicamente, esteticamente indissociáveis, pensamento e invenção, assim como também outras dualidades que se conservam como condição referencial no pensamento colonial capitalístico, hegemônico, a exemplo de corpo e subjetivação, pensamento e subjetivação, pensamento e corpo, sujeito e sociedade, política e desejo, ensino e aprendizagem. O projeto criado por Walter Kohan foi inicialmente inspirado nos trabalhos do filósofo americano Mathew Lipman. Lipman desenvolve um modelo que parte do pressuposto de que é possível ensinar a pensar com radicalidade e razoabilidade; afirma que o aspecto lógico do pensar acontece numa condição ética e social que modifica o próprio pensamento. Com este intuito cria o programa “Filosofia para crianças: educação para o pensar”, utilizando novelas que trabalham ética, lógica, linguagem, ontologia, teoria do conhecimento. Distribuídas em quatro livros que abordam as temáticas distintas, as novelas narram problematizações e conflitos vividos por grupos de crianças amigas, colocando no centro a experiência de pensar e a vida, e não necessariamente o currículo escolar. Lipman desenvolveu uma metodologia própria para, desde as novelas, levar professores e estudantes a criarem uma comunidade de investigação, a partir do diálogo, inspirado especialmente pelos trabalhos de John Dewey, integrando a experiência dos participantes. Deixa clara a relação de interdependência entre pensar, perguntar e construir argumentos, sempre com o outro, a partir do outro e contra o outro. Pensar desse maneira nunca é uma ação isolada. Walter Kohan foi orientando de Lipman no doutorado. Tece críticas ao programa “Filosofia para crianças”: considera que as novelas são modelares e, logo, oferecem referências que não contemplam a diversidade cultural e singularidades. López (2008, p.15), que tece considerações sobre essa crítica feita por Kohan, pondera: “Nesse caso o que está em questão é o modo em que o pensamento, a linguagem e a própria atividade filosófica são concebidos”. Vale registrar que em 1985 o programa “Filosofia para crianças” chegou ao Brasil através de Catherine Young Silva, e logo foi criado Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças, em São Paulo, para divulgação das ideias e do material produzido por Lipman nos Estados Unidos, através de cursos de formação. Esses se tornaram a única maneira de vinculação ao Programa, através da compra dos volumes citados, reduzindo, assim, a possibilidade de acesso apenas àqueles que podem pagar pelos módulos. Desse conjunto derivaram inúmeras dissertações e teses no Brasil, bem como a formação de muitos professores da escola básica e outros profissionais da educação. Lopes reconhece, contudo, aqui no Brasil, que os trabalhos de Kohan oferecem uma nova perspectiva, ao abandonar a ideia de modelos ainda focados numa educação da infância, como se pode ver na preposição “para” que integra o nome do programa de Lipman: “Filosofia para crianças”. No Distrito Federal, Kohan coordenou, na Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, onde atuou como professor visitante, no período de 1997 a 2001, um projeto que denominou de “Filosofia na escola”, contemplando a escola pública, já que até então apenas as escolas privadas compraram a proposta de Lipman. O foco foi deslocado das novelas para “(...) a textualidade específica, a partir do planejamento temático das escolas, suas necessidades e possibilidades” (KOHAN, 1997, p. 123), contemplando a realidade e o desejo de cada criança e de cada escola. Na UERJ, em 2003, como professor efetivo, Kohan criou o Núcleo de Estudos de Filosofias e Infâncias - NEFI, congregando não apenas estudantes de graduação e pós-graduação dessa universidade, mas estudantes e pesquisadores de outros estados e países, bem como professores da rede pública de ensino do Rio de Janeiro e outros. Desde 2007, o NEFI desenvolve no município de Duque de Caxias-RJ, em duas escolas públicas, o projeto extensionista “Em Caxias, a filosofia en-caixa?”; todavia, muitas outras iniciativas vinculadas ao NEFI têm lugar em outros municípios e países, desenvolvidas por integrantes do Núcleo. Essa produção – livros, teses, dissertações, artigos – encontra-se dispopnível para consulta numa plataforma digital, , e a cada ano o grupo realiza um Colóquio Internacional com atividades restritas aos membros do NEFI, e outras abertas ao público. Finalmente, o NEFI se dedica a experiências filosóficas com crianças e formação de professores(as) na escola pública, e à pesquisa sobre filosofia, infâncias e educação. Mas o que propõe o projeto Filosofia com Crianças, e as pesquisas sobre filosofia, infâncias e educação? De certo, não se trata de ensinar filosofia, sequer abordar a infância como uma etapa do desenvolvimento humano vinculada à criança, ou de conceber a educação como modelagem. Trata-se de invenção: de pensamento, de corpo, de realidade, de subjetivação; da invenção de mundos. Trata-se de forçar o pensamento a pensar a partir da dúvida, da pergunta, das contradições que produzem a vida em sociedade. Logo, relações e práticas educativas são uma produção comum que acontecem desde a disposição para o encontro e para “um pensamento afetivo, um sentimento intelectual” que busca superar a dualidade entre o plano intelectual e outro sensitivo. (KOHAN, 2015) Nas pesquisas de Kohan, e de integrantes do NEFI, os problemas indicam pistas que que incluem a vida/obra de pensadores da filosofia, da educação e de outros campos do conhecimento, como o brasileiro Paulo Freire e o caraquenho Simón Rodriguez. Destacamos aqui como pistas para acompanharmos as pesquisas de Kohan, e do projeto coletivo NEFI, o sumário do seu livro “O mestre inventor: relatos de um viajante educador” (2015). O volume registra a vida de Simón Rodríguez, fazedor de escolas, nascido na segunda metade do século XVIII, em Caracas, Venezuela. Seus capítulos: “viajar e formar-se: errância’, ‘ensaiar a escola’, ‘inventar a educação popular’, ‘a escola da antiescola: iconoclastia e irreverência”, e por fim, “Fazer escola, vida e política com Dom Simón”. Neste mosaico destaca a errância e a invenção como condições para uma formação experimental. Ao nos apresentar Bolívar, Kohan, também nos adverte que nenhum sistema educacional deve servir de modelo e ser imitado: A América deve inventar suas instituições e sua educação, porque não há em nenhum outro lugar as instituições e a educação que possam dar conta dos problemas que constituem a realidade americana que, no final de Sociedades americanas em 1828 (1842), Rodríguez (I, p.193ss.) resume em: a) que tenha pão para todos, que não haja fome; b) administração de justiça , império e paz e diálogo; c) uma educação que ensine a pensar, isto é, a ter sensibilidade intelectual, a estabelecer todas as relações necessárias para entender um problema; também moderação para ocupar-se com o que interessa ocupar-se socialmente, para despreocupar-se com o que não importa e deixar o caminho livre para criar. (...) Há outras razões. É preciso inventar porque imitar pode significar reproduzir a estrutura de dominação e extermínio que vem prevalecendo durante séculos na América. (p.76) Dentre todas as produções do professor Kohan e do NEFI esta foi especialmente escolhida porque assim como Rodríguez, pensamos que o nosso ofício como educadores é transformar vidas pela educação. Vimo-nos, pois, inquietados(as) pelas questões que ele levanta enquanto tecemos redes e planos de comunalidade para que o pensamento erre e a escola pública invente seus próprios caminhos: “Como encontrar a verdade por nós mesmos? Como inventá-la? Como inventar?”. Desde Rodríguez, a América padece das mesmas condições. Todavia, o espírito colonizado que somos nos leva a repetir o mesmo, e a natividade do novo que poderia ser a invenção de uma vida social sem fome, justa, focada nas nossas necessidades e problemas, cede aos ditamos das forças colonial-capitalísticas. E o que nos ensina Rodríguez: “Ensina a inconformidade, a rebeldia, e a aposta à criação permanente de um novo mundo, uma nova maneira de viver, sem precedentes, não só na América Latina, mas em qualquer lugar do mundo”; (KOHAN, 2015, p. 62) e para tanto, “Pensar não é simplesmente dominar habilidades, técnicas, ferramentas de pensamento. Pensar é ser sensível a uma terra e ao seu povo.” (p.77) Este projeto é essa aposta, ou essa abertura para forçar o pensamento a pensar, ou brincar de pensar, desmanchando e construindo mundos, sensível aos “sutaques” de cada escola. 2.0. O novo normal na educação Não podemos deixar de trazer à baila uma apreciação do que se denomina “novo normal” na educação, a fim de desnaturalizar fluxos que se instituem em aliança com as forças políticas impostas pela pandamia do COVID19, num Estado neoliberal, representado no Brasil pelo Governo Jair Bolsonaro, mas não apenas. Consideramos relevante problematizar o impacto dessas forças na escola, e para a educação de modo geral, nos planos macro e micropolítico, a fim de situar nossa proposta no âmbito de uma máquina de produção de corpos e de subjetividades, mas também de resistências a uma educação maior que determina o funcionamento da máquina escolar, especificando o que deve ser aprendido, como e de que modo. Assim, um “novo normal” tenta dar conta da ineficácia das velhas respostas, ou melhor, dar prosseguimento aos ajustes da sociedade de mercado e suas contradições, incluindo agora desarranjos provocados pela pandemia, para a necessária regulação das interações capitalistas voltadas para o lucro. Todavia, do ponto de vista do neoliberalismo, o “novo normal” naturaliza as políticas do que Paul Virilio, citado por Saffatle (2019, p. 2), denominou de “Estado Suicidário”, uma etapa do capitalismo na qual o Estado Neoliberal cultiva sua própria destruição: “(...) a mistura da administração da morte da sua própria população e do flerte contínuo e arriscado com sua própria destruição.” Nesse cenário, cresce em nós a necessidade de praticar um pensamento radical, razoável e inventivo que interrogue o que se nos apresenta como única saída para tornar a vida possível; um pensamento que se dá como agenciamento coletivo, na medida em que não se vincula à ideia de sujeitos individuais. Observe-se, ainda, que a expressão “novo normal” é um oxímoro, na medida em que o novo, aquilo que se revela como resultado de uma composição inabitual e que não cessa de acontecer como "embriões de futuro" (ROLNICK, 2019), é oposto ao conceito de normalidade, que implica em registros codificados que se mantém como hábito ou como regra, com o mínimo de variação, ou com uma variação controlada. Por outro lado, no modo como vem sendo utilizada, essa expressão denota um rearranjo de velhos sistemas taxonômicos, dando a supor que algo inédito está sendo apresentado para responder ao inusitado imposto pelo COVID19 quando, de fato, atua reduzindo a multiplicidade e a variação, talvez de modo mais brutal, intensificado pelas condições impostas pela pandemia. Assim, o primeiro termo da expressão, “novo”, aparece como uma repetição do mesmo, normalizado, ou seja, ajustado aos velhos sistemas taxonômicos, minimizando a contradição que força o pensamento a pensar, própria de um oxímoro. Não é possível, por certo, pensar/fazer educação sem considerar o diagrama de vetores e de forças, e suas relações, para produção dos dispositivos e políticas educacionais. Em curso, o “novo normal” passa a ser um modo de funcionamento da máquina Estatal que regula a educação, implicando num hiperadensamento de forças que atuam na produção de um sistema de quadriculamento disciplinar (FOUCAULT, 1987) - uma máquina que não cessa de individualizar ao produzir corpos fragmentados e enclausurados -, regulando a homesotase do sistema, a fim de que a dissolução do mundo conhecido com seus elementos fixos e estáveis seja resultado de um programa planejado. É dessa maneira, reduzida e parametrizada, que o “novo normal” aparece como saída para os desafios enfrentados na educação, durante e após a pandemia. Com alguma euforia as políticas educacionais amparam-se numa ciência técnica, especialmente consolidada na neurociência e nas novas tecnologias digitais, e também num ativismo metodológico que investe nas chamadas “metodologias ativas ” e “aprendizagem autoreguladora”. Vimos, então, uma nova normalidade que se utiliza de novos dispositivos para dizer o que é “a” escola, bem como “a” universidade e, por conseguinte, como se pensa e se aprende, mirando, sobretudo, no efeito dessas forças que agem na produção de corpos e políticas de subjetivação. Assim, orientadas por diretrizes educacionais reguladas pelo capital, escola e universidade buscam a alta performance de seus educadores e estudantes, a partir de um rol de habilidades e de competências que definem metas de desempenho e de comportamentos, e seus mecanismos reguladores. À vista disso, políticas educacionais estabelecem os parâmetros para um ensino prescritivo, sobretudo assentado na recognição (unidade do sujeito pensante e do objeto pensado, num universo dual) e na representação, reforçando uma “pedagogia fundamentalista” (GALLO, 2009) que reifica os princípios da identidade e da não-contradição, sem desconsiderar que tais são também fundamentos do Estado Neoliberal. Dito de outro modo, na medida em que a recognição e a representação orientam práticas e discursos pedagógicos, o ato de pensar/aprender é reduzido à repetição do mesmo e, logo, a um sujeito idêntico a si e à sua representação. Necessário destacar que a recoginção e a representação, bem como a unidade de um sujeito pensante, ganham vulto com a metafísica kantinana no século XIX, e o “novo normal”, portanto, apenas ratifica esse modelo que vem sendo produzido em condições políticas diversas, por dois séculos. 3.0. Um saber-fazer: entre filosofia e educação Objetivamos, pois, produzir o novo na escola, ao tempo em que nos interrogamos sobre como extrair o novo do velho. O velho aparece-nos como intercessores, condição fundamental para forçar o pensamento a pensar, arrancando-o da sua imobilidade. Sem os intercessores não há o novo, a criação. E desta perspectiva compreendemos que perguntar pela educação ou perguntar na escola implica fabricarmos nossos próprios intercessores, a fim de dar vigor à nossa atividade. Assim, insistimos na distinção que faz Deleuze (2000, p. 271) entre o método cartesiano, como “método para resolução de problemas tidos como dados” e o método da invenção, “próprio para a constituição dos problemas e a compreensão das questões”. Interessa-nos, nesse projeto-acontecimento, a experimentação das perguntas. A filosofia colabora no processo de resistência as imposições e fixações vindas de vários lugares, quanto aos nossos modos individuais e coletivos, de ser e estar. A sua radicalidade, no sentido de ir as raízes fundamentais das teorias e das práticas é tamanha que coloca a si mesma sob questão e não deixa de se investigar em sua natureza, em seus métodos, problemas e respostas. O seu movimento, no entanto, não é apenas de resistência, mas de potencialização através do questionamento e do pensamento, de um espaço autêntico de criação de si mesmo e do mundo. Não se trata, porém, de um novo modelo. A indagação filosófica, como coloca Gadamer, faz nascer uma abertura, um novo horizonte de possibilidades. Perguntar quer dizer colocar no aberto. A abertura do perguntado consiste em que não está fixada a resposta. (...) O sentido do perguntar consiste em colocar em aberto o perguntado em sua questionabilidade. (...) O sentido de qualquer pergunta só se realiza na passagem por essa suspensão, na qual se converte em uma pergunta aberta. Toda verdadeira pergunta requer essa abertura, e quando falta, ela é, no fundo, uma pergunta aparente que não tem o sentido autêntico da pergunta. (GADAMER, 1986, p. 535) Ao perguntar abertamente e incitar discussões que, no final das contas, tem a cada um como objeto, a filosofia faz mover uma engrenagem com a força da transformação. Isto porque, como defendeu Marilena Chauí na abertura do II Congresso Virtual da UFBA, “[...] ao pensar, o pensamento faz pensar, dá o que pensar e abala os fundamentos do já pensado e do que se tem pensado”. (2020) De maneira direta ou indireta, a filosofia intervém através de perguntas como as seguintes: 1.Por que pensamos o que pensamos, dizemos o que dizemos e fazemos o que fazemos? Isto é, quais os motivos, as razões e as causas para pensarmos o que pensamos, dizermos o que dizemos, fazermos o que fazemos? 2.O que queremos pensar quando pensamos, o que queremos dizer quando falamos, o que queremos fazer quando agimos? Isto é, qual é o conteúdo ou o sentido do que pensamos, dizemos ou fazemos? 3.Para que pensamos o que pensamos, dizemos o que dizemos, fazemos o que fazemos? Isto é, qual é a intenção ou a finalidade do que pensamos, dizemos e fazemos? (CHAUÍ, 2009, p. 16) Mais ainda, ao encontrar a infância como condição de existência para o novo, considerando esta como uma experiência e não como etapa do desenvolvimento humano, a filosofia colabora para que, tal como o poeta heterônimo de Fernando Pessoa, Alberto Caeiro, possamos ter um olhar nítido como um girassol, dando-nos conta de que o que vemos a cada momento é aquilo que nunca antes tínhamos visto. E, assim, talvez possamos experimentar o pasmo essencial que teria uma criança se, ao nascer, repasse que nascera deveras, a cada passo sentindo-se nascida para a eterna novidade do mundo. (PESSOA, 1980) Perguntar, por tal maneira, implica abrir-se para a eterna novidade; para a invenção de mundos, para o que ainda não tem nome. Como pode a filosofia na escola criar encontros para experimentação desse pasmo? Como pode abalar os fundamentos do pensamento da recognição na escola? Como o pensar se relaciona com a invenção de mundos e de corpos? Como subverter a máquina de subjetivação que produz indivíduos em série? Entre a filosofia, a infância e a educação, movidos por tais perguntas, buscamos um saber-fazer que deverá articular multiplicidades, tensionando a doxa educacional, a partir de exercícios coletivos de pensamento e de ação.
Primeira etapa: Divulgação do projeto: apresentação aberta do projeto para interessados(as) Ampla divulgação em redes sociais da UEFS, secretarias de educação, escolas e projetos sociais. Inscrição de interessados em fazer o curso. Segunda etapa: Realização de um curso de formação de 20 horas destindo a professores da rede de ensino público e educadores sociais do Território Portal do Sertão. Serão temas: filosofia, educação e infâncias na escola. O curso será realizado remotamente e contará com a participação de convidados do NEFI. Terceira etapa: • Levantamento dos participantes que se interessam em criar projetos de filosofia e educação nas suas escolas/comunidade;. • Levantamento das escolas que se interessam por levar o projeto para seus AC’s; • Orintação dos coordenadores do projeto na UEFS para elaboração dos projetos nas escolas/comunidades; • Criação de uma rede para compartilhamento dos projetos, com participação do NEFI. Quarta etapa: • Participação no Colóquio Internacional que acontece anualmente, promovido pelo NEFI, como segunda etapa da formação; • Elaboração de projetos específicos para cada escola/comunidade, pelo seus professores com participação de estudantes da UEFS e supervisão dos coordenadores deste projeto. • Realização de seminário aberto à comunidade, para apresentação dos projetos a serem implementados em 2022 nas escolas.
Provocar para a natividade do novo na educação, através do cultivo do pensamento radical, razoável e inventivo, em comunidade, na escola pública e comunidades educativas.
- Cultivar a dúvida e a pergunta como motores para um pensamento radical, nômade e inventivo; - Identificar problemas e questões relativos às práticas pedagógicas na escola pública e comunidades educativas, com fins ao desenvolvimento de projetos de pesquisa orientados para a produção da natividade do novo na educação; - Analisar as relações entre pensamento, corpo e subjetividade na produção do novo na escola, a partir do projeto “Sutaques da Escola”; - Experimentar um pensamento transdisciplinar, considerando espaços intervalares, entre filosofia, infância e educação.
A experiência do novo na educação, bem como a experiência da infância, são o que nos move na direção de um projeto de filosofia na escola como oportunidade para criar vetores que façam proliferar experiências de pensamento, de corpo e de subjetivação. A abertura por escutar o “Sutaques da escola” visa, sobretudo, as particularidades e modos próprios de acontecer dos seus participantes, desde seus interesses e também condicionamentos. A relevância do proposto está na necessidade de produzir movimentos nas forças que cultivam uma imagem dogmática e moral do pensamento, reduzindo multiplicidades e variações no cotidiano da vida escolar, e também universitária. Considera, ainda, que a educação está alicerçada em princípios que reforçam estruturas e condicionantes para produção e controle de corpos e modos de subjetivação, sustentados pelo primado da identidade. Assim, pois, pensar errática e inventivamente requer considerar as forças que atuam na escola e se efetuam em currículos, práticas e discursos, com vistas à fixação do “eu” e consequente produção de uma subjetividade universal e totalizadora. Logo, ao trazermos a invenção e a errância como condições para um pensamento/corpo vigorosos, pretendemos um projeto político que afirma processos de singularização, inspirando-nos em Clarisse Lispector (1980, p.36): “Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome”. Perguntamos, então: como produzir o que ainda não tem nome, na escola? Podemos, ainda, observar que a escola não tem superado dificuldades básicas ao longo dos anos, relativamente a condições de trabalho, infraestrutura, formação de professores e aprendizagem dos estudantes. No atual momento da pandemia a situação se agravou, demandando, não a volta a um estado de normalidade, insatisfatório do ponto de vista das demandas da escola, intensificadas pelas políticas do Ministério da Educação e Cultura que persiste num projeto nacional elitista e altamente excludente, mas movimentos de resistência para invenção de alternativas ao modelo de sociedade e de escola que até então temos produzido. O desmonte da educação, com primado no desmonte das escola e universidade públicas, como parte de um projeto privatista e de controle das vidas que ultrapassa as fronteiras da instituição escola, e mesmo o Brasil, expressa, pois, conflitos de natureza ideológica e política acerca da crise e dos caminhos que tomaremos como civilização. Atentas/os a este cenário, e voltados para o cotidiano da escola hoje, e num contexto pós-pandêmico, acerca do qual apenas podemos supor, buscamos a criação de uma rede de educadores dispostos a fazer uma escola que inclua a participação direta de todos(as) os atores na direção de uma vida comunitária. Para tanto, propomos a invenção de um conjunto de disposições através das quais possamos experimentar um pensamento/corpo orientado pela diferença e não pela identidade e representação como tem sido: uma experiência que denominamos infância, com tudo que que essa tem de pasmo e de criação. Assim, ao visar a diferença, abandonamos o pressuposto de um pensamento/corpo idêntico a si mesmo para investirmos no impensável, ou no que força o pensamento a pensar, e a inventar uma vida comum. Inspiramo-nos, então, em Paulo Freire, em Antonio Faundez, em Walter Kohan, dentre outros para, através de uma pedagogia da pergunta, forçar o pensamento a pensar, na medida em que devemos "reconhecer a existência como um ato de perguntar!” (FREIRE; FAUNDEZ, 2017, p. 74). Destacando que não se trata de disciplinarizar a pergunta, criando espaços no currículo para a "hora de perguntar" (KOHAN, 2021) mas de incorporá-la como dispositivo de pensamento, ou produção de realidade.
Histórico de movimentação
13-04-2023 11:15:58
Criação da proposta
02-05-2023 19:39:31
Parecer da Câmara de Extensão
Projeto aprovado
02-05-2023 11:25:01
Em Análise
Proposta enviada para análise da Câmara de Extensão
02-05-2023 19:39:31
Aprovado
Projeto aprovado
02-05-2023 19:40:06
Ativo
Habilitado para pedido de bolsa